Reportagem:
Pouco depois das nove da manhã de um dia esplendoroso, as
faces de todos espelhavam o prazer do reencontro. Abraços, beijos, sorrisos,
confirmavam-no. Preparava-se mais uma feliz caminhada, abertura de nova época
de alegres convívios, abertura essa que só não foi em completa beleza devido aos azares da vida que impediram a
comparência do próprio organizador principal, estimado companheiro Dores Alves,
a quem um maldito vírus atacou a garganta; da estimada companheira Odete
Vicente, cuja garganta foi atacada não por um vírus mas por um malvado larápio;
e do estimado companheiro Miguel Cardoso, cuja garganta está incólume, mas
cujos malfadados joelhos estão em tal maldito estado que, mesmo que na altura
estivesse perto, não poderia ter corrido atrás do atrevido larápio assaltante
da vitimada Odete nem caminhado apressadamente a chamar um médico que
assistisse o debilitado Alves.
Outros caminhadeiros há cuja ausência foi lamentada, mas
não nos consta que seja por razões de força maior. E, dos três citados, as últimas
notícias davam-nos em vias de restabelecimento. Desejamo-lo e confiamos.
Mas voltemos um pouco atrás, a um outro azar: o meu.
Outro acaso da vida fez-me companheiro do estimado caminhadeiro-mor Balão de
Sousa na viagem de carro para o local do encontro. Nela, pergunta-me ele,
organizador secundário da caminhada, secundário no apoio mas não na qualidade
nem no empenho, se me podia pedir um grande favor. Tal como aprendi numa velha
história que ouvi à minha querida avó Beatriz (já a conto), respondi: «Se não
for dinheiro nem coisa que o valha…». «Não é», garantiu ele e eu fiquei mais
descansado – mas por pouco tempo, pois logo ele acrescentou: «Por esta e aquela
razão, Alves doente, eu ausente, etc e tal… importas-te de fazer a
reportagem?». Ora digam-me lá o que é que um homem pode responder a um amigo em
circunstâncias destas? Isso mesmo! Respondi tal qual como vocês teriam feito. E
aqui estou. (Sabe Deus como!...)
(Por falar em caminhadeiro-mor: nas inscrições para esta
caminhada, aliás na primeiríssima delas, a da companheira Céu Fialho,
encantou-me a sua utilização da expressão “cozidinhas de saudades”, que já não
ouvia há tanto tempo, e, para mais, acertadamente escrita com z de cozinhar em
lume brando e não com s de costurar cós da saias, que seria erro; mas dói-me
continuar a ouvir e ver, aqui e ali, “caminhadeiros-mor” como se isso fosse o
plural de caminhadeiro-mor, nobre palavra cujo número não merece ser
adulterado.)
Agora, tenham paciência, mas vou contar a história de
proveito que ouvi à minha avó. «Há anos, vivia cá na aldeia um sujeito bem
apanhado que, a quem lhe dizia precisar de um favor, respondia sempre “sim
senhor, desde que não seja dinheiro ou coisa que o valha”». Calou-se a minha
avó, e os outros velhos que a ouviam riram-se com ar entendido. Com a idade que
eu então tinha – sete, oito, nove anos –
todos me pareciam velhos, e não ri porque não entendi. Já sabia o significado
da expressão “coisa que o valha”: coisa parecida, mais ou menos o mesmo, mais
coisa menos coisa, mais ou menos isso, mas não entendi a graça, e lá teve a
minha avó que me explicar: «Tudo, mas tudo, vale dinheiro. Dessa maneira, o
grande maroto dava a entender que não prestaria favor nenhum». Para mim, foi um
grande passo na aprendizagem da vida, mais propriamente das subtilezas da
língua e da força da ironia e dos segundos sentidos.
Mas voltemos à reportagem. Preso pela palavra dada, não
tive outro remédio senão preparar-me. Acompanhei o grupo durante os primeiros
metros, para ter a certeza que tudo começava bem, sinal mais ou menos seguro de
que tudo bem continuaria, e, discretamente, regressei ao ponto de origem com a
intenção de meditar, sentado, o que havia de escrever. E onde também cumpri
outras importantes tarefas: assistir aos preparativos da sala para o nosso
almoço e assegurar-me que não se tinham esquecido do vinho.
(Peço desculpa, mas tenho que fazer um intervalo na
escrita, aliás, mais um. São tantas as tarefas desde que me reformei
–principalmente a de chofer de táxi e de carga de toda a família, tanto para as
curtas distâncias como para o longo-curso, já não falando das obrigatórias
sestas após os almoços com os amigos nem das manhãs laboriosamente dormidas
após alguns trabalhosos jantares seguidos de atarefadíssimos serões a ler os
mails dos correspondentes – que ando, muito sinceramente, a pensar cada vez
mais em aposentar-me.
Até já.)
Estou de volta. mas já outros trabalhos me esperam: um
Encontro Imaginário, n’A Barraca, às 21:30, antecedido de jantar numa tasquinha
vizinha, para ganhar forças. E, depois, talvez se siga uma ceia! Quem tem tempo
para se coçar? Vai o Balão, a pé, até ao Fim da Terra e volta, e eu sem tempo
para escrever uma simples reportagem. Vai-se a ver, ainda será ele a ter que a
acabar… Aliás, perguntarão: reportares tu, como, se não caminhaste?! Respostas:
1. mas meditei! 2. socorro-me dos olhos e dos ouvidos do próprio Balão de
Sousa, príncipe dos repórteres caminhadeiros. E do seu livrinho de notas. Não
mo deixou, mas deixou-mas a elas, via net.
Está lá tudo. Ora vejam, pois eu vou fazer um copy-paste
(Ctrl+C lá, seguido de Ctrl+V aqui):
Data do Encontro: 09/09/2015
Local: Lisboa –
Parque Florestal de Monsanto
Percurso: 7 km
em 02:30 horas
Caminhadeiros
seniores: (27) Acilina Couto; Ana Nicolau; Angelina Martins;
António Clemente; António Palma; Carlos Evangelista; Carlos Penedo; Carmen
Firme; Fortunato Sousa; Gilberto Santos; Graça Sena; João Costa; Lina
Fernandes; Luís Fernandes; Luís Martins; Luísa Clemente; Manuel Garcia; Manuel
Pedro; Manuel Reis; Margarida Graça; Maria do Céu; Maria do Céu Fialho; Maria
da Luz Fialho; Nela Costa; Octávio Firme; Rogério Matias; Vitor Gonçalves.
Caminhadeiros
juniores: (11) Daniel Santos; Francisco Reis; João Maria Sena;
João Pedro Firme; Manuel Fernandes; Mariana Reis; Marta Firme; Martin
Fernandes; Martin Santos; Tomás Martins; João Reis.
Só ao Almoço:
Joaquina de Sousa; Odete Vicente; Duarte Couto; Fernando Couto; Gil Furtado
Organizadores:
Dores Alves e Fortunato de Sousa
Almoço:
Restaurante Dom Leitão (Tel.217 649 859)
Próxima Caminhada:
23/09/2015
Volto a escrever. Está lá tudo! Perante isto, nem percebo
por que me pediu ele que fizesse eu a reportagem! Faltará dizer alguma coisa?
Talvez referir a qualidade do almoço…
Mas esperem! Agora me lembro que o mail onde vinha
pendurado o docx que acabei de vos mostrar tinha mais algumas informações. Vou
ver…
Aqui estão elas:
No dia 9 de setembro de 2015 às 22:34, Fortunato de Sousa escreveu:
Olá Amigo Gil,
Aqui vai o cabeçalho da reportagem, penso que devidamente preenchido.
Quanto aos tópicos relevantes, podes, se quiseres, tomar atenção aos seguintes:
Durante a concentração, os jovens caminhadeiros jogaram futebol enquanto os mais velhos se cumprimentavam depois de 2 meses de defeso caminhadeiro.
- A caminhada teve, pouco depois da partida, a desistência do descaminhadeiro G+/#F£t; [Nota minha: o nome vinha ilegível.]
- A caminhada correu normalmente e com bom desempenho de todos para inicio de época;
- Uma caminhadeira foi acompanhada de um cãominhadeiro; [Nota muito minha, aparentemente carregada de imodéstia mas plena de justiça: o neologismo - se assim se pode chamar - "cãominhadeiro" foi criado por um discreto escrevinhador que não morde mas por vezes ladra e cuja identificação conheço bem mas não revelo. Já antes houvera outros cães minhadeiros, o primeiro que me lembro foi um da Comporta que se apaixonou pelo organizador Reis, e o primeiro a ser assim baptizado era natural das Minas do Lousal, quase coevo das respectivas antas e conterrâneo de uma menina tão simpática que jamais me saiu da memória - embora já quase tenha esquecido o cão. E agora digam que a memória não é selectiva.];
- A vista cultural [Nota minha: à exposição de trabalhos de Dali] foi bastante interessante e excelentemente conduzida pela guia Fabricia Valente, muito bem preparada, simpática e com um poder de comunicação óptimo [Outra nota minha: se eu tivesse adivinhado, mesmo cansado teria ficado];
- O chá teve a presença de apenas metade dos participantes, por razões de compromissos de ordem particular dos ausentes;
- Realçar a primeira participação do Martim Santos (neto do Gilberto)
Saudações Caminhadeiras em passada solidária,
Fortunato de Sousa
Agora é que está lá tudo. E se há algo que eu possa acrescentar
é referir a qualidade do almoço. (Mas está na hora de novo intervalo. E logo
agora, que (trans)crever me estava a saber tão bem… Peço desculpa, mas prometo
continuar assim que regresse.)
Porém, mesmo
correndo o risco de chegar atrasado à primeira tarefa – o jantar –, vou
acrescentar mais algumas palavras.
O almoço foi óptimo. O restaurante foi bem escolhido, com
espaço cabonde para a boa arrumação das mesas, por sinal bem compostas. As
entradas estavam excelentes, tanto que quis pedir as receitas. Quase me
bastaram, e bastariam não tivesse gostado tanto da sequência: o prato de
sustância. O leitão tinha a pimenta – branca, como deve ser – na quantidade exacta
e a pele a meu inteiro agrado, estaladiça quantum satis, sem qualquer exagero
de forno. O vinho, branco, bebia-se bem pela frescura, apesar de ser “apenas”
um “branco-à-pressão”. Pedi um jarro de tinto, para o experimentar, mas não
passei da prova – ou não passou ele: vinha quente. À temperatura certa talvez
não fosse mau. Nunca o saberei. De qualquer modo, o leitão quer espumante tinto
da Bairrada, e mesmo champanhe só na falta daquele, ou então muito bom,.a fazer
esquecer aquele. (Desculpem a repetição, mas estou a imaginar as palavras como
sendo copos). Talvez o preço encarecesse um pouco, mas o nosso Ministro das
Finanças se encarregaria de não nos castigar. As sobremesas e o café agradaram,
e o serviço foi lesto, discreto e profissional, com a ressalva de o primeiro
vinho se ter atrasado em relação às entradas, mas ao menos não as estragou.
Observação (muito pessoal) final: classificação acima da média. Como
consequência, houve um brinde de agradecimento e felicitações ao organizador
principal, brinde curiosamente proposto pelo organizador secundário, secundado
(brindei duas vezes, daí mais esta cacofonia) por todos os presentes e ajuntados
votos de boas melhoras.
E acho que acabei!
O Balão, não fosse eu esquecer-me, ainda escreveu isto:
Saudações Caminhadeiras,
Gil Furtado
Mas eu emendo:
Obrigado Alves, obrigado Balão, obrigado companheiras e
companheiros. Para meditar não caminhei e fiquei prejudicado, mas a escrever já passei um bom bocado.
E de todos se despede o
Gil Furtado
E agora, trabalho terminado, vou enviá-lo para o
Fernandes, para que seja publicado.
Luís, obrigado.
GFurtado
7 comentários:
O Gil estava inspirado :-)
Espero que tenha sido agradável para todos.
Um grande abraço
Curvo-me perante tal verborreia tão esclarecida e esclarecedora. Desta vez não pudémos comparecer, mas esperamos ir na próxima. Um grande abraço para todos.
Grande Gil é sempre um prazer ler as tuas prosas! Usas o lápis com a mesma mestria com que um caminhadeiro-mor usa o seu bastão.
Por mim atribuia-te já a Grã Cruz da Ordem dos Caminhadeiros Escreventes.
Há mais fotos aqui: https://www.facebook.com/aci.lina/media_set?set=a.10203652737518496.1073741880.1818452424&type=3
Quando é a próxima caminhada?
Foi com imensa satisfação que constatei pelos diversos testemunhos que a 1ª. Caminhada da época 2015/2016 mereceu a aprovação dos caminhadeiros nela presente.
Agradeço particularmente ao Fortunato de Sousa pela sua disponibilidade para que tudo corresse bem.
Fico também comovido pelo interesse manifestado quanto à minha ausência
Espero estar presente na próxima caminhada.
Não quero terminar sem antes dar os parabéns ao nosso cronista-mor, de seu nome Gil, que foi inexcedível na sua narrativa que tanto nos encanta.
Abraços caminhadeiros
Ausente por terras de Santiago na companhia de outros companheiros Caminhadeiras, tivemos oportunidade de ouvir a nossa amiga Odete Vicente ler com toda a atenção a reportagem excelentemente redigida pelo Senador Gil.
Chegado a Lisboa voltei a lê-la, e era minha intenção agradecer ao Gil de um modo mais elaborado o favor que me fez. Mas volta-me a faltar tempo e criatividade suficiente para o fazer. Portanto, amigo Gil, deste modo fica registado com parcas palavras o meu reconhecimento pela tua extraordinária capacidade em redigires uma reportagem da caminhada em que não participaste.
Um grande abraço Caminhadeiro em passada solidária,
Fortunato de Sousa
Venho aos “Comentários” com determinado fim, e imediatamente me vejo perante uma situação que me deixa muito embaraçado: cinco comentários que me elogiam! Tentando ultrapassar a atrapalhação, que posso eu dizer? Em primeiro lugar, imitar Saramago – «Vocês matam-me de ternura!...»; em segundo lugar, parafrasear, sem qualquer originalidade, a conhecida reacção do grande Mark Twain à notícia que acabara de ler – «A notícia da minha morte é manifestamente exagerada» –, dizendo que é evidente exagero qualquer elogio que me contemple; e, por último, agradecer tanta gentileza. Mas, cuidado: não me envaideçam…
(A propósito: permitam-me que agradeça, sem menosprezo pelos outros, o comentário do Raul Almeida, que não participou na caminhada, pouco aparece, e propositadamente veio por aí abaixo dizer que o escriba reportador – sem títulos – estava inspirado. Obrigado, Raul.)
Mas que fim era o meu quando vim ao Blogue? Simplesmente estranhar não terem sido publicadas mais fotografias da caminhada.
“Onde estão os repórteres?” – perguntei ontem ao Bloguista-mor (acho que encontrei, finalmente, mais um qualificativo correcto para o nosso Acumulador-mor de Cargos), e ele também não sabia. Publicada, apenas a companheira Luz Fialho – e por ela fiquei a saber da existência não reportada de apetitoso bolo. Assim, pedi ao Gestor-mor dos Álbuns Fotográficos que, à falta de melhores, promovesse a exibição dos meus pobres trabalhos.
Alexandre Reis, Balão de Sousa, Carlos Evangelista, Luís Martins (por ordem alfabética) - e outros, e outros - nomes grandes da Fotografia Caminhadeira, por onde andam vocês? (Ao Dores Alves não chamo, todos sabem porquê…). Queremos os vossos trabalhos!
Aproveito para pedir ao Luís Fernandes – mais uma tarefa, Luís! – que “ensine” a novel caminhadeira Acilina a usar o Fotos-Caminhadeiros. Já fui espreitar o endereço que ela deixou no seu comentário e apreciei o que vi: também gosta de fotografar ervinhas. Bem-vinda ao clube, amiga.
Reli a reportagem, e quando cheguei aos cós das saias temi que estivesse errado o plural assim grafado. Fui consultar os mestres: não está! Fiquei descansado.
Mas ocorre-me que, há muito, de anacolutos não tenho falado… Volto a ficar preocupado!
(Não me bastava andar tão ocupado: agora, também pré-ocupado!)
«Amanhã há-de ser outro dia». Despede-se o
Gil Furtado
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